um continho de dia dos namorados
- chama meu coração de latifúndio e
toma posse dele, dona!
- cafajeste... - diz ela com desdém, olhando levemente por sobre o ombro.
todos os dias, a mesma coisa: ia para a parada de ônibus, o amolador de facas lhe dirigia gracejos assim, levando um passa-fora conciso, mas firme, afinal a cavalheira era casada e o ponto de ônibus, obedecendo a uma rotina suburbana, vivia repleto de vizinhos e conhecidos.
quando em vez, inclusive, uma e outro advertiam o galã de esquina:
- uma hora, acaba tomando uma coça, ou mesmo um tiro.
- ela vale o risco - respondia com sinceros destemor e, até, entusiasmo.
um dia, variando o, digamos, estilo, aproximou-se com modos quase fidalgais:
- com a sua licença, bom dia. posso lhe dar uma palavrinha? papo sério.
- desembucha.
- aonde a senhora mora?
- mas é muito atrevimento!
- calma, não se irrite. um dia, pode ser útil: orientar uma visita que receberá, levar-lhe um recado, coisinhas assim.
hesitou um bocadinho, mas, sabendo a dinâmica do bairro, reconheceu alguma razão na proposta, deu a ficha:
- rua tal, número tal, apartamento tal, fundos.
ele, então, quase em êxtase, lhe disse:
- moras lá porque queres, porque teu lugar é aqui, ó - e deu suaves tapinhas no coração...
- seu patife! abusado! até hoje tolerei essa pouca vergonha por medo de uma tragédia, mas, desta vez, vou falar com meu marido pra tirar satisfações contigo, canalha!
ele não deu a menor pelota para aquele chilique, e, nos dias seguintes, viu, assim como todos que testemunharam o faniquito, que não havia razão para tal: nada do marido aparecer nem sequer para chamar-lhe às falas, que dirá alçá-lo pelos colarinhos.
e seguiu ele com seus flertes, seguiu ela com sua indignação de sempre.
certo dia, chegou ao ponto de ônibus, lá estava, como sempre, o Casanova de periferia, mas, ao contrário de sempre, não disse palavra.
ela, considerando o dia em questão, acreditou que ele elaborara algo "especial", ficou, pois, na expectativa.
nada.
tempo passou mais um tanto, nada.
olhou o relógio, ônibus já ia chegar, não se aguentou, foi até ele, sondou de forma que, imaginou, não lhe daria a certeza de sua curiosidade verdadeira:
- o gato comeu sua língua, é?
- não - disse calmamente, sem nem tirar os olhos do alicate de cutículas que amolava no esmeril movido às pedaladas de sua bicicleta.
- aconteceu alguma coisa contigo, com alguém de tua família? - insistiu ela, já sem conseguir esconder a apreensão.
- nadica de nada, tudo certinho.
a cara explodiu:
- como é: qual vai ser a piada com o dia dos namorados?!
- nenhuma.
- como assim?! - exclamou, perplexa.
- que graça teria nisso? hoje é um dia em que as paixões obedecem a uma obrigação de se dizer as coisas por dizer, pra não passar em branco e, assim, não dar enguiço. são coisas pro seu marido lhe dizer, ou seja: nada por vontade 100% verdadeira, espontânea.
quer saber? passo, e bom dia pra madame.
a dona estacou.
mas, paradoxalmente, quanto mais inerte seu corpo, mais seus olhos exprimiam uma erupção em curso.
de repente, um esgar se formou, abrindo-lhe a boca para um urro, após o qual atracou-se àquele tipo.
as pessoas no ponto de ônibus tentaram apartá-la dele, mas, com a fúria de uma onça, as repeliu:
- me deixem!!! me deixem!!!
montada sobre seu colo, o encarou firmemente, depois o sufocou com beijos prenhes de uma volúpia primitiva.
ao redor, a turma se esbaldava com aquele formidável bafafá.
- cafajeste... - diz ela com desdém, olhando levemente por sobre o ombro.
todos os dias, a mesma coisa: ia para a parada de ônibus, o amolador de facas lhe dirigia gracejos assim, levando um passa-fora conciso, mas firme, afinal a cavalheira era casada e o ponto de ônibus, obedecendo a uma rotina suburbana, vivia repleto de vizinhos e conhecidos.
quando em vez, inclusive, uma e outro advertiam o galã de esquina:
- uma hora, acaba tomando uma coça, ou mesmo um tiro.
- ela vale o risco - respondia com sinceros destemor e, até, entusiasmo.
um dia, variando o, digamos, estilo, aproximou-se com modos quase fidalgais:
- com a sua licença, bom dia. posso lhe dar uma palavrinha? papo sério.
- desembucha.
- aonde a senhora mora?
- mas é muito atrevimento!
- calma, não se irrite. um dia, pode ser útil: orientar uma visita que receberá, levar-lhe um recado, coisinhas assim.
hesitou um bocadinho, mas, sabendo a dinâmica do bairro, reconheceu alguma razão na proposta, deu a ficha:
- rua tal, número tal, apartamento tal, fundos.
ele, então, quase em êxtase, lhe disse:
- moras lá porque queres, porque teu lugar é aqui, ó - e deu suaves tapinhas no coração...
- seu patife! abusado! até hoje tolerei essa pouca vergonha por medo de uma tragédia, mas, desta vez, vou falar com meu marido pra tirar satisfações contigo, canalha!
ele não deu a menor pelota para aquele chilique, e, nos dias seguintes, viu, assim como todos que testemunharam o faniquito, que não havia razão para tal: nada do marido aparecer nem sequer para chamar-lhe às falas, que dirá alçá-lo pelos colarinhos.
e seguiu ele com seus flertes, seguiu ela com sua indignação de sempre.
certo dia, chegou ao ponto de ônibus, lá estava, como sempre, o Casanova de periferia, mas, ao contrário de sempre, não disse palavra.
ela, considerando o dia em questão, acreditou que ele elaborara algo "especial", ficou, pois, na expectativa.
nada.
tempo passou mais um tanto, nada.
olhou o relógio, ônibus já ia chegar, não se aguentou, foi até ele, sondou de forma que, imaginou, não lhe daria a certeza de sua curiosidade verdadeira:
- o gato comeu sua língua, é?
- não - disse calmamente, sem nem tirar os olhos do alicate de cutículas que amolava no esmeril movido às pedaladas de sua bicicleta.
- aconteceu alguma coisa contigo, com alguém de tua família? - insistiu ela, já sem conseguir esconder a apreensão.
- nadica de nada, tudo certinho.
a cara explodiu:
- como é: qual vai ser a piada com o dia dos namorados?!
- nenhuma.
- como assim?! - exclamou, perplexa.
- que graça teria nisso? hoje é um dia em que as paixões obedecem a uma obrigação de se dizer as coisas por dizer, pra não passar em branco e, assim, não dar enguiço. são coisas pro seu marido lhe dizer, ou seja: nada por vontade 100% verdadeira, espontânea.
quer saber? passo, e bom dia pra madame.
a dona estacou.
mas, paradoxalmente, quanto mais inerte seu corpo, mais seus olhos exprimiam uma erupção em curso.
de repente, um esgar se formou, abrindo-lhe a boca para um urro, após o qual atracou-se àquele tipo.
as pessoas no ponto de ônibus tentaram apartá-la dele, mas, com a fúria de uma onça, as repeliu:
- me deixem!!! me deixem!!!
montada sobre seu colo, o encarou firmemente, depois o sufocou com beijos prenhes de uma volúpia primitiva.
ao redor, a turma se esbaldava com aquele formidável bafafá.
Autor - Zine Pirata
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