Malandro demais vira bicho
Há
dias que um samba do Bezerra da Silva toca na minha vitrola interior. “Eu já
disse a você que malandro demais/ vira bicho”, cantava o inesquecível filósofo
das favelas. A letra é uma advertência àqueles que falam demais, contam
vantagem e se acham o centro do mundo. E conclui que o sujeito, na verdade, é
um “tremendo fim de festa, um pisa na bola, um zé mané”.
Não tem como deixar de pensar na nova
dupla dinâmica da política nacional: Marina Silva e Eduardo Campos.
De início, achávamos que Eduardo
havia dado uma tacada brilhante, mas que Marina seria apagada e oprimida pela
contradição de se mostrar tão ávida pelo poder a ponto de entrar num partido
como PSB, legenda que jamais teve qualquer protagonismo no debate ambiental e
se notabilizou, nos últimos anos, pelo mais escancarado pragmatismo político de
que se tem notícia.
O PSB cresceu, aliás, na esteira
desse pragmatismo. Aliando-se ao PT aqui, ao PSDB acolá. Eduardo Campos, quando
iniciou suas articulações, também se notabilizou pela incrível desenvoltura com
que se aliou aos nomes mais tradicionais do antipetismo – e isto ainda
participando do governo petista e aliado aos petistas em seu estado.
Pouco antes de Marina se juntar a
Campos, o pragmatismo socialista atingira seu apogeu, com a filiação de
Heráclito Fortes e Paulo Bornhausen, e a adesão entusiástica de Ronaldo Caiado
a seu projeto.
É justamente neste momento que chega
Marina, unindo-se ao PSB numa pirueta absolutamente… pragmática. Mais que isso,
numa pirueta inacreditavelmente antidemocrática e voluntarista, visto que ela
decide sozinha atrelar a Rede ao PSB. Toda aquela historinha de um novo fazer
político, de ativismo autoral, horizontalidade, política em rede, se esvai na
primeira dificuldade. Mais importante que os princípios é a perspectiva de
poder. O poder pelo poder.
E ai de quem criticar! Na contramão
do seu falso discurso paz e amor, acima das polaridades, Marina não hesitou em
lançar calúnias contra quem não partilha de suas ideias, ao sugerir que todos
que a criticam recebem “verba pública”. Ela criou uma nova polaridade:
marineiros do bem X militantes do mal.
A coisa, no entanto, é muito pior. Ao
perder a votação no TSE, Marina Silva envereda por um caminho sinistro. Ao
invés de, humildemente, admitir que falhou, ao deixar para recolher assinaturas
em cima da hora, a ex-ministra opta por desqualificar a justiça eleitoral, uma
das raras instituições públicas que os vira-latas, até então, jamais ousaram
criticar.
Marina se acha tão boa, tão
importante, tão perfeita, que se considera acima da justiça eleitoral, a qual
deveria se curvar à sua magia. Malandro demais, dizia Bezerra, vira bicho…
Ela está acima dos partidos, da
política e da lei. Paira num olimpo ético tão imaculado, tão higiênico, que
pode se dar ao luxo de aderir, oportunisticamente, a uma legenda tão suja,
pragmática e contraditória como qualquer outra do sistema partidário brasileiro
e se manter pura como um suíno fantasmagórico a vagar incólume por um chiqueiro
enlameado.
Como íamos dizendo, a impressão
inicial, de que a novidade era uma cartada genial de Campos se desfez, dando
lugar a uma outra, bem menos positiva ao pernambucano. Quem parece ter sido
esperta mesmo foi Marina. Em questão de dias, ela engoliu Eduardo Campos,
inclusive traindo sua promessa de apoiar a candidatura “já posta” do
socialista. Ela conseguiu dar outra pirueta e agora é ela, não Campos, a
candidata do PSB.
Pior, Marina passou subitamente a dar
as cartas na legenda, transformada do dia para noite numa agremiação
“marineira”. Seu ataque à Ronaldo Caiado gerou um prejuízo enorme a Campos,
porque colou nele a imagem de um político volúvel e desleal. Seria natural que
houvesse mudanças nos arranjos após a entrada de Marina. Mas esse tipo de coisa
se faz com cuidado, após debates internos, alguns privados, outros públicos.
Marina chegou dando ordens ao PSB, pelos jornais!
O dano foi grande porque o PSB não
perdeu apenas Caiado, que aqui entre nós não vale nada mesmo. Ele perdeu o
agronegócio inteiro, ou seja, o setor econômico mais importante e mais dinâmico
do país. Todas as lideranças rurais assistiram, estupefatas, a grosseria de
Marina contra Caiado. Grosseria sim, porque foi Campos quem procurou Caiado.
Foi Campos quem prometeu o Ministério da Agricultura a Caiado. E daí, de um
segundo para outro, ele rifa o seu principal aliado no Centro-Oeste? O que ele
fez com Caiado, à direita, pode ser feito a qualquer aliado à esquerda. Basta
Marina dar uma entrevista aos jornais.
Marina já está usando sua vantagem
nas pesquisas de intenção de voto para se impor monocraticamente ao partido,
sem necessidade de negociar politicamente. E isso tende a piorar.
No mesmo dia em que Campos perde o
apoio do agronegócio, que apesar de ser ideologicamente conservador, é ao menos
um setor ligado à produção, à segurança alimentar, ao comércio exterior, no
mesmo dia a imprensa nos informa que Marina irá apresentar Campos a executivos
do banco Itaú, seu principal patrocinador.
Ora, quer dizer que os “sonháticos”
rejeitam os fazendeiros, mas caem de amores pelos banqueiros? Elas por elas, os
bancos são infinitamente piores que os produtores rurais. Estes são
conservadores, mas plantam a soja e o milho que alimentam vacas e frangos que
suprem necessidades protéicas do Brasil e do mundo. Os fazendeiros são contra
os juros altos, porque dependem de financiamentos bancários. Os banqueiros são
A FAVOR dos juros altos, porque vivem de rendas. Os fazendeiros, mal ou bem,
são nacionalistas, ligados à terra, e querem obras de infra-estrutura, para
escoarem suas safras. Os banqueiros são ligados apenas ao capital, independente
de sua nacionalidade, e não se importam com obras, porque o dinheiro não
precisa de estradas, ferrovias ou portos.
Ao rifar o agronegócio para se aliar
ao Itaú, Campos dá um passo decisivo na direção do rentismo, que é,
seguramente, o pior tipo de parasita da nossa economia.
Voltando à mesma canção de Bezerra,
há uma estrofe que também parece se encaixar perfeitamente na situação de
Marina. Basta trocar Swat (apelido antigo do Bope da PM) por Globo…
Em
toda área
Que você pinta
Diz logo que tá
Com a cabeça feita
Mas não vê que a moçada da Swat
Tá olhando você pela direita
Que você pinta
Diz logo que tá
Com a cabeça feita
Mas não vê que a moçada da Swat
Tá olhando você pela direita
pêécê:
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