sábado, 19 de outubro de 2013

" A recepção " - Luis Fernando Veríssimo

A recepção

Por Luis Fernando Veríssimo








A recepcionista que me recebe na porta do céu é simpática. Digita meu nome no computador, sorrindo. Mas o sorriso desaparece de repente. É substituído por uma expressão de desapontamento.

— Ai, ai, ai... — diz a recepcionista. — Aqui onde diz “Religião”. Está: “Nenhuma.”

— Pois é...

— O senhor não tem nenhuma religião? Pode ser qualquer uma. Nós encaminhamos para o céu correspondente. Ou, se o senhor preferir reencarnação...

— Não, não. Não tem céu só pra ateu?

— Não existe um céu só para ateus. Nem para agnósticos. Também não são permitidas conversões post-mortem ou adesões de última hora. E me deixar entrar numa eternidade em que nunca acreditei, talvez tirando o lugar de um crente, não seria justo, eu não concordo.

— Espere! — digo, dando um tapa na testa. — Me lembrei agora. Eu sou Univitalista.

— O quê?

— Univitalista. É uma religião nova. Talvez por isso não esteja no computador.

— Em que vocês acreditam?

— Numa porção de coisas que eu não me lembro agora, mas a vida eterna é certamente uma delas. Isso eu garanto. Pelo menos foi o que me disseram quando me inscrevi.

A recepcionista não parece muito convencida, mas pega um livreto que mantém ao lado do computador e vai direto na letra U. Não encontra nenhuma religião com aquele nome.

— Ela é novíssima — explico. — Ainda estava em teste.

A recepcionista sacode a cabeça, mas diz que irá consultar o supervisor. Eu devo voltar ao meu lugar e esperar a decisão.

Sento ao lado de outro descrente. Que pergunta:

— Você acredita nisto?

— Eu... — começo a dizer, mas o outro não me deixa falar.

— É tudo encenação. Tudo truque. Quem eles pensam que estão enganando?

E o outro se levanta e começa a chutar as nuvens que cobrem o chão da sala de espera.

— Olha aí. Isto é gelo seco! Você acha mesmo que existe vida depois da morte? Você acha mesmo que nós estamos aqui? É tudo propaganda religiosa! É tudo...

Salto sobre o homem, cubro sua cabeça com a camisola, atiro-o no chão e sento em cima dele. Para ele não estragar tudo. Claro que também acredito que aquilo é uma encenação. Mas, seja o que for, durará uma eternidade.





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