sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Sofia Najhanela

Naquele sábado, a senhora do 412 dançaria no Clube das Saudades. Comprou sapatos prateados, bolsa da mesma cor e um soutien menor para apertar os seios. Reformou o vestido rosa, sem mangas. Uma ousadia, mas com ele poderia usar as luvas. Pintou e arrumou seus cabelos, marcou hora para maquiagem e ouviu que estava muito bem conservada para sua idade. Ensaiava risadas para mostrar sua terceira dentição, tão cara e necessária. Um banho demorado e uma ponta de esperança ao se imaginar dançando com um homem, que gostaria de seu perfume e a levaria até a cama, cheio de dedos e línguas. Mesmo com 65 completos, era de sexo que mais sentia falta. Com vermute brindou a si mesmo e, sem amassar o vestido, sentou para aguardar a carona no sofá grená, da cor de suas unhas.

Foi encontrada com o cálice caído sobre as luvas e um sorriso frio na boca estranhamente vermelha. A cena era incompreensível e vulgar demais para as filhas que gastaram muito tempo para deixá-la pálida e adequada ao velório.



Mini-Conto de Maria Helena Weber



A tradição revisitada

Flávio Cesar Trindade Mainieri



Durante muito tempo a manufatura de um objeto, sobretudo dos que pertencem ao universo das artes, dependeu do trabalho manual do artesão/artista. O artista se confundia com o artesão. Com o desenvolvimento das técnicas de reprodução, o trabalho manual do artista torna-se mínimo, em muitos casos limitando-se a apertar um botão, e o olho do artista passa a ser um ajustador de foco. Tanto o ato de pintar um quadro, quanto o ato de escrever um conto, já não dependem exclusivamente da mão do artista.

A caixa que contém as Mulheres da vida sintetiza o antigo e o moderno e permite falar-se em tradição revisitada.

As telas de Cristina Rosa são o resultado da tradição da pintura sobre tela, mas aqui acrescida da colagem de diversos materiais que imprimem densa textura e rompem com a bidimensionalidade ao projetar-se para fora da tela, o que permitiria falar-se em tridimensionalidade falsa, pois a textura, mesmo projetando-se, continua presa à tela, ainda é uma tela e seu espaço de exposição ainda é a parede, ou o cavalete, para manter-se o vocabulário da tradição.

Para ser encerrada na caixa, perde a textura que falsamente tridimensionaliza e transforma-se em fotografia (a mão e o olho apertam um botão e ajustam o foco, respectivamente, e o fotógrafo não é Cristina Rosa, é Clóvis Dariano) que recupera a bidimensionalidade da pintura tradicional, mas é outro objeto.

As histórias escritas por Maria Helena Weber pertencem à tradição da narrativa ao recuperar os fatos da vida dos personagens. As narrativas curtas chamadas contos, aqui se transformam em mínimos contos, mas não perdem a sua função: revelar quem são essas mulheres e o que viveram até serem cristalizadas nas telas. Os narradores, às vezes, impessoais (em terceira pessoa) ou falando em primeira pessoa, conduzem o leitor na decifração do que a tela esconde, mas como na tradição da boa literatura- com o texto se apresentando como uma máquina preguiçosa na produção do sentido (ver Humberto Eco) provoca a imaginação do leitor para completar os espaços em branco da trajetória dos personagens que o narrador apenas sugere.

A postura do receptor frente à tela corresponde ao narrador em terceira pessoa, é o olhar do receptor (o que vê) que a escritura de Maria Helena Weber cria, é como se revelasse o avesso da tela, numa relação palimpsestuosa – raspa-se a tela e um outro texto se revela; quando a narrativa se faz na primeira pessoa são as próprias palavras das Mulheres que se dirigem diretamente ao receptor, criando uma intimidade que o texto falsamente confessional possibilita, com exceção do conto Célia Elvira, quando o narrador em primeira pessoa corresponde ao olhar do outro sobre a mulher retratada, é como se o receptor da tela se transformasse em personagem, não da tela mas do conto. Ou então, se a entrada do receptor da caixa se dá através dos contos, é a fotografia das Mulheres da vida que funciona como o avesso dos textos escritos.

Os dois textos, o da pintura, agora fotografia, e o da literatura, na caixa estabelecem uma relação íntima e integradora, onde um complementa o outro não interessando a ordem da percepção, apesar de manter as diferenças: de matéria da expressão e o excesso da pintura contrastando com a brevidade dos contos.

Nenhum comentário: